quinta-feira, 11 de setembro de 2008
A CIDADE, OS CÃES E A FRAGILIDADE MASCULINA
O cotidiano de um grupo de garotos internos num colégio militar e as implicações disso em suas vidas, é o mote da novela A CIDADE E OS CÃES, de Mario Vargas Llosa.
Mais que isso temos, nesta brilhante novela, a constituição – dentro do colégio militar – de um microcosmo de uma sociedade em que a estrutura militar impera (os pontos de identificação que o romance faz com nosso país - e com tantos outros paises latino-americanos - que viveu 20 anos de ditadura militar como todos sabem, mas alguns fazem questão de ignorar, é assombrosa) bem como o brilhante retrato da construção equivocada e perigosa do masculino, que tantas prejuízos trazem tanto às mulheres quanto aos próprios homens.
Impossível não lembrar do livro de Flavio Gikovate: Homem - O Sexo Frágil?, em que os mecanismos sociais geradores desse modelo são claramente expostos.
Em seu livro, Gikovate disseca cada fase da vida de um homem, desde o momento em que, feita a ultrasonografia, é identificado o sexo de um bebê, até a vida adulta. E o que acompanha todas essas fases é sempre um grande medo também chamado de HOMOFOBIA.
Logos após os pais serem conhecedores do sexo (masculino) de um bebê, diz Gikovate em seu livro, o segundo grande medo (o primeiro é que nasça com algum problema físico ou mental) é o de que ele possa vir a ser (ou tornar-se, na crença da maioria) homossexual.
Quando esta criança nasce, esse medo permanece oculto no inconsciente dos pais até o momento em que esta (por volta dos cinco anos) começa a esboçar os primeiros traços de personalidade, quando qualquer manifestação de delicadeza ou de fragilidade é reprimida como sendo algo que não deve fazer parte da identidade masculina.
Depois de todo este medo ter sido introjetado, numa fase tão importante da formação do ser humano como é a infância, chega o momento dele se manifestar de forma perturbadora no garoto adolescente. È o momento em que ele, tendo um amigo que já arranjou uma namorada, transou ou ficou com alguma menina, e ele ainda não, se questiona: Será que eu sou gay? Essa pergunta, colocada aqui de forma tão simples, é para ele um fantasma que vai persegui-lo por um bom tempo – até quando for capaz de aprender a afastar de si qualquer manifestação de comportamento que porventura posso ser vinculado ao mundo feminino.
Mas quando violência foi praticada contra esse menino/rapaz/homem até então! E quantas conseqüências nefastas tudo isso ainda vai gerar ao longo de sua vida!
Outro dia ouvi de uma amiga:
- Ontem eu saí com um cara, mas ele não tentou me comer. Nem pegou na minha bunda nem nos meus peitos. Será que ele é gay?
Vejam a que ponto chegamos? O macho pegador/comedor é sempre esperado, até mesmo pelas mulheres que ainda reclamam exatamente deste tipo de comportamento dito masculino.
Apesar de que um número bastante significativo de mulheres terem tornado o homem um objeto e vêem nisso um avanço da nossa sociedade, “afinal as mulheres foram tratadas como objeto por tanto tempo – e continuam sendo – que mal há em serem os também os homens, tratados como objetos?”.
No meu ponto de vista, avanço seria se tivéssemos conseguido deixar de tratar a mulher como objeto e não fazer o mesmo com o homem. A crença, que às vezes considero uma utopia, é que algumas décadas após termos passado ao outro extremo com relação à sexualidade (antes era um tabu, agora é algo completamente descartável) o ser humano consiga achar um equilíbrio. E esse equilíbrio só será possível quando conseguirmos integrar o masculino e o feminino dentre de cada um de nós homens e mulheres.
Mas voltando a novela de Vargas Llosa, é no colégio militar que estes comportamentos constitutivos da construção do masculino são explicitados de maneira crua e violenta. E neste ambiente repleto de “modelos de masculinidade” que o exercício do poder e do jugo sobre o outro se fazem necessários à sobrevivência. E aquele que não for capar de agir de maneira truculenta e feroz será humilhado pelos demais e chegará até mesmo a perder a vida. O personagem RICARDO ARANA, batizado como ESCRAVO - por sua fragilidade e delicadeza - num rito de iniciação grotesca de cunho claramente sexual, é assassinado num exercício de tiro pelo mais temido (leia-se HOMEM) dos alunos que, ao chegar ao colégio se autodenominou de JAGUAR. Não e a toa que todos os adjetivos aqui utilizados (bem como na novela de Llosa) para falar do personagem são imediatamente identificados com o animal que lhe serve de codinome.
É claro que não se faz necessário dizer que os fatos narrados na novela de Llosa acontecem por ai com mais freqüência do que imaginamos (os casos de tortura praticados pelo polícia que, de vez em quando vem à tona é uma das muitas e evidentes provas disso).
Às vezes me espanto com o fato do quão frágil é essa tal de “masculinidade” que um simples gesto de delicadeza ou de fragilidade é capaz de quebrar. Também pudera, construída que é em cima de tanta dor, violência e autopunição como poderia ser diferente?
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